terça-feira, 27 de dezembro de 2016

A chuva veio e me disse!


SEGUE O SECO INHOTIM



As oportunidades da vida?!...sempre as tenho, sempre as temos!
São muitas as oportunidades. Na maioria das vezes, elas são simples, pequeninas mesmo. A gente não costuma enxerga-las, até porque estamos sempre esperando pelo grandioso, pelo arrebatador, pelo mais brilhante ou brilhoso.
Penso que o que nos constrói ao longo da história está no que normalmente pouco observamos.  Às vezes é meio sem graça mesmo ou até desengonçado. Eu, particularmente, acho o desengonçado sempre mais interessante, mais atrativo e cheio de charme.
Nem sempre foi assim, nem sempre é assim comigo, ainda me pego esperando pelo grandioso, pelo estrondoso como se a vida fosse um show do milhão.
Ledo engano o meu! Quando olho pra trás, só consigo me lembrar com maior precisão daquilo que foi mais rasteiro, com horas e dias entranhados no chão da minha história, como uma colcha tecida fio a fio, hora a hora, dia a dia.
Quando penso nas oportunidades já vividas, é verdade, algumas delas foram sim estrondosas do meu ponto de vista, mas, engraçado, nestas grandes e excelentes oportunidades, ao me recordar, só lembro mesmo dos pequenos detalhes. Depois que passa, a memória guarda o mais simbólico, isto é, ela guarda o detalhe mais importante, aquele que sempre fará toda a diferença e, por isso mesmo, fica guardado no nosso grande pote craniano.
Para que percebamos melhor todas as oportunidades, é urgente mudar a forma como se vive todo e cada momento. Aprender a valorizar cada coisa, cada pessoa ou situação, seja ela de alegria ou de dor.
Por estes dias fiquei lembrando uma oportunidade que me deram, pude prestigiar um belíssimo show em Belo Horizonte - MG; a cantora era a Marisa Monte, uma exímia artista. Ela não busca holofotes, apenas traz o melhor que sabe fazer: cantar, tocar, compor. Nos encantou com suas músicas. Toda performance do show se deu mesmo por conta da harmonia instrumental muito bem elaborada e orquestrada, complementada com o conteúdo de suas músicas, que chegam diretamente ao coração, dando nomes a vários dos sentimentos que trazemos. Algo como disse Milton Nascimento: "certas canções que ouço, cabem tão dentro de mim. Que perguntar carece, como não fui eu que fiz."
O ponto alto deste show foi sem dúvida nenhuma a chuva que caiu. Parece que ela veio para compor
ainda mais toda a harmonia musical do momento. Não espantou ninguém a chuva e nem deixou nada a desejar, pelo contrário, além de lavar a alma, nos fez parecer crianças novamente, encantados e desnudados pela beleza dos pingos grossos (não havia como se esconder), nos fazendo dançar e cantar como faziam os nossos pais indígenas. Me pareceu que não precisávamos de mais nada, nos bastava ser quem somos e viver este encontro com a natureza na sua forma mais primitiva, era a dança da chuva. Afinal de contas, havíamos nos queixado da seca. A música da Marisa fazia uma ode a chuva, portanto, o pedido foi atendido! 
Fazer memória deste momento me traz à boca o gosto da vida, da sensação de liberdade que senti ali totalmente molhada pela chuva e embalada pelo som da Marisa. Estávamos assim, tão longe de casa, mas ao mesmo tempo, tão em casa. O tempo era o ali, naquela hora, não existia outro, outras pessoas, outro lugar... existíamos nós, a chuva, a música e a vida crescendo naquele momento.
Isso mesmo, quando estamos sinceramente presentes em qualquer oportunidade pela qual estamos vivendo, a vida dentro da gente cresce e, se novos momentos tivermos, saibamos que foram todos estes pelos quais passamos que nos fazem responder com mais vigor a qualquer outro momento, repito, seja de dor ou alegria. É como um bordado que vai levando a outro, e outro, e outro, até que um dia, o desenho toma uma forma e aí podemos ler, em cada linha bordada, o livro da nossa singular história. 
Um show também pode trazer muitas cores para uma vida que talvez esteja sendo vivida em tom mais fúnebre. Do mesmo modo, um banho de chuva também pode regar terrenos mais ressequidos pelo deserto pelo qual a maioria de nós vivemos. 
Volto a dizer, para tudo isto ter um sentido ou para qualquer coisa ter e fazer sentido, é preciso saber ver, ouvir e sentir... é preciso desejar viver, estar presente. Normalmente quem está presente nos momentos, até na maior das dispersões, consegue ver sentido nas oportunidades da vida, o ócio é pura criação.
Se aquele fosse o último show da minha vida, a última oportunidade - nunca saberemos quando será a última, mas ela chegará e será bom se não nos pegar desprevenidos -, eu poderia dizer que, naquele momento, a minha colcha ganhou um desenho perfeito, pois todos os meus sentidos estariam potencialmente direcionados e eu não precisaria de mais nada, bastaria ser quem eu era ali, naquela hora. Apenas sentindo a alegria de viver que aquela oportunidade trouxe. Bastaria encontrar-me assim, desnuda de subterfúgios, encontrar-me com a terra de que sou feita, mistura de vida humana e vida divina, natureza e divindade. Enfim, liberdade!
Seguindo o seco de Marisa, encontrei a água, como se estivesse atravessando o deserto e percebi que a minha vida só se faz no hoje! A liberdade é estar presente no seu momento, nem tanto como uma filosofia que fica tentando se alcançar... é vivendo mesmo que se faz a vida! 
Este momento é exatamente o que você está presenciando agora.

Correção: Maria Marta Garcia - Tradução em Ponto


Perfeito adendo:



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