Não precisa muita explicação...precisa reflexão!
Dois homens lutam entre si. Um deles é pleno de coragem. Aceita
arriscar sua vida no combate, mostrando assim que é um homem livre,
superior à sua vida. O outro, que não ousa arriscar a vida, é vencido. O
vencedor não mata o prisioneiro, ao contrário, conserva-o
cuidadosamente como testemunha e espelho de sua vitória. Tal é o
escravo, o "servus", aquele que, ao pé da letra, foi conservado.
a)
O senhor obriga o escravo, ao passo que ele próprio goza os praze
res da
vida. O senhor não cultiva seu jardim, não faz cozer seus alimentos,
não acende seu fogo: ele tem o escravo para isso. O senhor não conhece
mais os rigores do mundo material, uma vez que interpôs um escravo entre
ele e o mundo. O senhor, porque lê o reconhecimento de sua
superioridade no olhar submisso de seu escravo, é livre, ao passo que
este último se vê despojado dos frutos de seu trabalho, numa situação de
submissão absoluta.
b) Entretanto, essa situação vai
se transformar dialeticamente porque a posição do senhor abriga uma
contradição interna: o senhor só o é em função da existência do escravo,
que condiciona a sua. O senhor só o é porque é reconhecido como tal
pela consciência do escravo e também porque vive do trabalho desse
escravo. Nesse sentido, ele é uma espécie de escravo de seu escravo.
c)
De fato, o escravo, que era mais ainda o escravo da vida do que o
escravo de seu senhor (foi por medo de morrer que se submeteu), vai
encontrar uma nova forma de liberdade. Colocado numa situação infeliz em
que só conhece provações, aprende a se afastar de todos os eventos
exteriores, a libertar-se de tudo o que o oprime, desenvolvendo uma
consciência pessoal. Mas, sobretudo, o escravo incessantemente ocupado
com o trabalho, aprende a vencer a natureza ao utilizar as leis da
matéria e recupera uma certa forma de liberdade (o domínio da natureza)
por intermédio de seu trabalho. Por uma conversão dialética exemplar, o
trabalho servil devolve-lhe a liberdade. Desse modo, o escravo,
transformado pelas provações e pelo próprio trabalho, ensina a seu
senhor a verdadeira liberdade que é o domínio de si mesmo. Assim, a
liberdade estóica se apresenta a Hegel como a reconciliação entre o
domínio e a servidão.
Retirado de Fenomenologia do Espírito - HEGEL