Daquele texto que diz o que o coração não consegue expressar em palavras... obrigada Ruth Manus
RUTH MANUS
24 Junho 2015 | 11:28
http://vida-estilo.estadao.com.br/blogs/ruth-manus/o-alto-preco-de-viver-longe-de-casa/
Muito além do valor do aluguel.
Voar: a eterna inveja e frustração que o homem carrega no
peito a cada vez que vê um pássaro no céu. Aprendemos a fazer um milhão de
coisas, mas voar… Voar a vida não deixou. Talvez por saber que nós, humanos,
aprendemos a pertencer demais aos lugares e às pessoas. E que, neste caso,
poder voar nos causaria crises difíceis de suportar, entre a tentação de ir e a
necessidade de ficar.
Muito bem. Aí o homem foi lá e criou a
roda. A Kombi. O patinete. A Harley. O Boeing 737. E a gente descobriu que,
mesmo sem asas, poderia voar. Mas a grande complicação foi quando a gente
percebeu que poderia ir sem data para voltar.
E assim começaram a surgir os corajosos
que deixaram suas cidades de fome e miséria para tentar alimentar a família nas
capitais, cheias de oportunidades e monstros. Os corajosos que deixaram o
aconchego do lar para estudar e sonhar com o futuro incrível e hipotético que
os espera. Os corajosos que deixaram cidades amadas para viver oportunidades
que não aparecem duas vezes. Os corajosos que deixaram, enfim, a vida que
tinham nas mãos, para voar para vidas que decidiram encarar de peito aberto.
A vida de quem inventa de voar é paradoxal,
todo dia. É o peito eternamente divido. É chorar porque queria estar lá, sem
deixar de querer estar aqui. É ver o céu e o inferno na partida, o pesadelo e o
sonho na permanência. É se orgulhar da escolha que te ofereceu mil tesouros e
se odiar pela mesma escolha que te subtraiu outras mil pedras preciosas.
E começamos a viver um roteiro clássico:
deitar na cama, pensar no antigo-eterno lar, nos quilômetros de distância,
pensar nas pessoas amadas, no que eles estão fazendo sem você, nos risos que você
não riu, nos perrengues que você não estava lá para ajudar. É tentar, sem
sucesso, conter um chorinho de canto e suspirar sabendo que é o único
responsável pela própria escolha. No dia seguinte, ao acordar, já está tudo
bem, a vida escolhida volta a fazer sentido. Mas você sabe que outras noites
dessa virão.
Mas será que a gente aprende? A ficar
doente sem colo, a sentir o cheiro da comida com os olhos, a transformar
apartamentos vazios na nossa casa, transformar colegas em amigos, dores em
resistência, saudades cortantes em faltas corriqueiras?
Será que a gente aprende? A ser filho de
longe, a amar via Skype, a ver crianças crescerem por vídeos, a fingir que a
mesa do bar pode ser substituída pelo grupo do whatsapp, a ser amigo através de
caracteres e não de abraços, a rir alto com HAHAHAHA, a engolir o choro e tocar
em frente?
Será que a vida será sempre esta sina, em
qualquer dos lados em que a gente esteja? Será que estaremos aqui nos
perguntando se deveríamos estar lá e vice versa? Será teste, será opção, será
coragem ou será carma?
Será que um dia saberemos, afinal, se
estamos no lugar certo? Será que há, enfim, algum lugar certo para viver essa
vida que é um turbilhão de incertezas que a gente insiste em fingir que
acredita controlar?
Eu sei que não é fácil. E que admiro quem
encarou e encara tudo isso, todo dia.
Quem deixou Vitória da Conquista, São
José do Rio Preto, Floripa, Juiz de Fora, Recife, Sorocaba, Cuiabá ou Paris
para construir uma vida em São Paulo. Quem deixou São Paulo pra ir para o Rio,
para Brasília, Dublin, Nova York, Aix-en-provence, Brisbane, Lisboa. Quem
deixou a Bolívia, a Colômbia ou o Haiti para tentar viver no Brasil. Quem
trocou Portugal pela Itália, a Itália pela França, a França pelos Emirados.
Quem deixou o Senegal ou o Marrocos para tentar ser feliz na França. Quem
deixou Angola, Moçambique ou Cabo Verde para viver em Portugal. Para quem
tenta, para quem peita, para quem vai.
O preço é alto. A gente se questiona, a
gente se culpa, a gente se angustia. Mas o destino, a vida e o peito às vezes
pedem que a gente embarque. Alguns não vão. Mas nós, que fomos, viemos e
iremos, não estamos livres do medo e de tantas fraquezas. Mas estamos para
sempre livres do medo de nunca termos tentado. Keep walking.