terça-feira, 31 de março de 2015

Sou eu, a vida, vim para amar!

Há alguns dias atrás, precisei fazer um exame do coração, um ecocardiograma. Calma! Tá tudo bem comigo, graças a Deus! Era apenas uma dúvida que o médico tinha a respeito de um ruído numa válvula, que foi sanada, o meu coração está bem.
O que me chamou a atenção nesta questão foi exatamente poder ouvir o meu coração, que coisa engraçada! Os pais falam tanto sobre escutar o coraçãozinho do filho (a) e da emoção que sentem, mas nunca paramos para pensar na beleza que tem o nosso coração quando podemos escutá-lo. Acho que fiquei assim também, porque foi a primeira vez que escutei o meu coração de forma tão nítida! Também pude observá-lo pela telinha do computador. Que movimento potente e cheio de vida um coração tem! Até mesmo para aqueles que, talvez, enfrentem dificuldades neste órgão, tive a certeza de que o coração é como um touro, não enverga fácil, a gente tem é que tomar vergonha na cara e cuidar melhor dele.
Não fiquei emocionada, ao contrário, perguntei várias coisas para o médico sobre a beleza de se poder ouvir e ver um coração. Também fiz comentários sobre quão bacana é esta profissão, ou seja, os médicos tem a chance de enxergar muito além daquilo que é plástico... Eles podem ver a beleza do corpo por dentro, o que é justamente bonito porque traduz o quão humanos somos todos nós...  De uma engenharia esplêndida e objetiva esse nosso corpo, a cada centímetro dele, uma função específica e eficaz .
A imagem do meu coração firme e forte não saiu da minha cabeça, eu sabia que ia dar samba e tá dando... Estou aqui agora escrevendo essas linhas, e com o coração batendo forte e me impulsionando a não apenas fazer referência a esse órgão tão bonito e tão forte, mas para dizer o mais importante sobre o quanto podemos contemplar a vida nas suas variadas formas: Quão forte e capaz de amar é o meu coração... e o seu também!
Tá certo! É o cérebro quem disponibiliza nossos sentidos, o coração é um trabalhador, mas, como me dizia o médico, o coração é tão potente que às vezes, o cérebro para e apenas o coração fica lá no peito, todo fortão a bater, dizendo ainda, que ali tem vida e que de uma hora para outra, tudo pode ser modificado sim.
É meu coração! É músculo meu tão firme e tão forte! Pode funcionar bastante, pode continuar a dizer ao meu corpo, neste trabalho que desempenha ao receber e devolver o sangue, o quanto eu sou capaz de amar e o quanto o amor é o que dá sentindo à vida.
Sabe gente, hoje também tava pensando: “a vida passa tão rápido” e o nosso coração bate tão forte... Por que a gente não cuida mais dele para viver melhor e, assim, aproveitar mais, nem tanto na ligeireza das coisas, mas, principalmente, no ritmo cadenciado que o coração produz como a dizer: "a vida que corre aqui dentro tem um ritmo próprio e deve ser respeitado, a vida aí fora também"?
Cuidar do coração é cuidar da saúde, mas não só do corpo, podemos extrapolar para a saúde da alma! Coração não é um depósito que deve ficar encrostado de “gorduras” como vemos em muitos peitos por aí; ou mesmo de “gorduras” pela falta de amor e tudo o mais... Se ele está aqui dentro, e aí dentro também, nos chamando, impulsionando, é porque ele foi feito realmente para a saúde, esta que nos faz viver melhor tanto no corpo como na alma.
Se voltarmos à alusão da primeira vez em que os pais escutam o coração dos filhos, veremos que, logo que são fecundados os filhos, já estão lá como sementinhas plantadas no ventre das mães. Os pais nem imaginam que poderão ouvir sair dali um tambor tão potente e firme que se escuta daqueles seres ainda tão sem forma, mas que já está dizendo: cheguei, sou eu, a vida, vim para amar!


segunda-feira, 30 de março de 2015

E o coração está seco.

 Sobre a menina síria que se rende ao confundir câmera fotográfica com uma arma

Por Nara Rúbia Ribeiro
Quando ainda menina, lia muito Drummond. Achava um exagero ele dizer que chegaria um tempo de absoluta depuração, em que “(…) os olhos não choram./E as mãos tecem apenas o rude trabalho./E o coração está seco.” Mas hoje eu vi no noticiário uma cena muito peculiar, e a verdade do poema me veio à alma, imediatamente. Um fotógrafo, ao tentar retratar a vida das crianças sírias, conseguiu captar não a frieza deste mundo, mas já a sua consequência. Ele enquadra a criança em sua lente e essa levanta os braços, rendida, pensando ser uma arma.
Deus! Que mundo é este, onde a inocência caminha de mãos levantadas e a alma do mundo não sangra, e os olhos dos homens não choram, e a dor já não nos pode chocar? Que mundo é este cujos avanços tecnológicos não encontram eco na evolução moral dos indivíduos e onde só o que conta são os cifrões?
Um mundo cujo colorido já não é convidativo aos olhos. Onde a beleza é preterida. Onde a pureza dos pequeninos ainda é roubada e banhada do sangue de seus pares, de seus pais e, não raro, do seu próprio sangue. Um mundo cujas crianças já têm a esperança prematuramente envelhecida pela dor que transborda dos noticiários e que não raro floresce ao seu lado. Um mundo em que, a cada dia, o homem teme mais e mais o próprio homem.
Frequentei um curso, há um tempo, e algo me deixou sobremodo perplexa. O instrutor mostrava-nos diversos vídeos com acidentes causados por veículos. Em dada situação, um homem fora atropelado por não olhar para a sua direita quando um carro vinha na contra mão.  Alguns dos colegas, a maioria jovens entre 18 e 25 anos, riram da cena. Noutro atropelamento, a maioria riu. Esboçaram alguma comoção, leve, quando uma criança foi atropelada. Mas, pasmem: um cachorro foi atropelado e, nesse momento, houve uma comoção geral: “Ah, pobrezinho! Tadinho dele!”.  
A banalização da dor do outro é hoje tamanha que os jovens se identificam mais e se comovem mais com a dor de um animal que com a dor de um homem ou de uma criança.
A dor do outro é estatística. “Quanta mortes, mesmo, na Síria? Quantos desabrigados no Acre? Quantas mulheres são agredidas por ano? Quantas crianças são estupradas por parentes próximos?” Não! Essa postura desmerece o infinito que somos, desautoriza a angelitude a que estamos destinados, desmente a centelha do Eterno que permeia a alma de cada um de nós!
Necessitamos ver o outro como parte desprendida, mas ainda ligada a nós por lanços infindáveis de natureza espiritual. Ninguém pode ser plenamente feliz enquanto um só de nós estiver de braços levantados, rendida criança assustada pelos estrondos da guerra, cativa da dor e da morte. Esfomeada de uma Justiça que ela não pode compreender ou dizer, mas, humana que é, já a pode desejar e de sua falta se ressentir.
Que esta criança que hoje vi de mãos levantadas por confundir a câmera com uma arma possa ainda, é o que utopicamente desejo, levantar novamente as suas mãos, mas não por medo. Que ela ainda possa, na pontinha dos pés, elevar os seus braços para brincar com as estrelas.
Link: http://www.contioutra.com/sobre-a-menina-siria-que-se-rende-ao-confundir-camera-fotografica-com-uma-arma/ 

Nara Rúbia Ribeiro: colunista CONTI outra

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Escritora, advogada e professora universitária.
Administradora da página oficial do escritor moçambicano Mia Couto.
No Facebook: Escritos de Nara Rúbia Ribeiro
Mia Couto oficial


terça-feira, 24 de março de 2015

"Para sempre Gui"



No filme que concorreu ao Oscar 2015 "Para sempre Alice", a personagem principal Alice, aprendeu a perder (como ela mesmo disse), isto é, estando em plena forma e tendo desenvolvido ao longo de sua vida e carreira uma capacidade intelectual alta, conseguiu acompanhar até onde foi possível alguns dos estágios provocados pelo mal de Alzheimer que descobriu ter adquirido geneticamente. 
Esta doença como já conhecida por muitos, é uma doença que vai reduzindo as funções intelectuais e provocando uma sensação de morte lenta, apesar do doente continuar ali vivo, pois ele vai perdendo as capacidades de trabalho e relação social, interfere também no comportamento e na personalidade. Isto, principalmente nos estágios mais avançados.
As palavras da personagem sobre "aprender a perder" não saiu da minha cabeça depois que assisti ao filme. Convenhamos, aprender a perder é doído demais e pra falar a verdade, ninguém quer perder, eu não quero, muito menos perder as capacidades vitais.
E perder a vida? Alguém quer? Todo caso de auto punição causando a morte, se dá por questões de transtornos emocionais, na verdade, a gente não costuma querer perder a vida de jeito nenhum!
Mas como diz minha mãe: querer não é poder! Então, vem a vida e leva embora gente muito próxima e o pior, gente cheia de vontade de viver como o rapaz que perdeu a sua vida hoje, o Guilherme Rosa. Ele nos deixou por causa de um acidente quando estava viajando para a sua nova casa aonde havia iniciado uma nova fase por causa da conquista para ser professor efetivo. Infelizmente ele perdeu a direção, o carro rodou na pista, bateu numa van e a morte foi instantânea.
Como não pensar neste desastre?! E como não pensar também no poema de Teresinha sobre a brevidade da vida, ela disse: "minha vida é fugaz, brevíssimo segundo. Instante que me foge, Vós o sabeis". 
Como não se lembrar da fala seguinte da personagem do filme: "então viver o momento, eu digo a mim mesma, é tudo o que posso fazer".
Como não lembrar do sorriso do Guiiiiii, do desejo de vida e do coração enorme que ele tinha.
A Alice do filme é mesmo para sempre na vida de sua família e daqueles que a conheceram, seja os seus alunos, colegas de trabalho ou amigos, enfim, àqueles que ela acompanhou e  pôde contribuir com suas brilhantes ideias.
Entendo que o "para sempre" se faz também porque  como nos disse a poeta Adélia Prado "o que a memória ama, fica eterno". 
Trazendo para a história da vida real, especialmente no dia de hoje, posso dizer que o querido Guilherme também se torna eterno, seja porque ultrapassou a porta do corpo, seja porque seu sorriso é inesquecível e único, mas, principalmente, porque ele fica guardado na memória. 
Ele fechou seu protagonismo aqui, mas para mim, ele trouxe hoje o mais belo e único propósito em que me sinto a vontade de parafrasear a Alice: "viver o momento, é tudo o que eu posso fazer", uma vez que a "minha vida é fugaz, brevíssimo segundo, instante que me foge".
E, se o desafio é aprender a perder, que continuemos a lutar e por isso mesmo a aprender que na vida a gente perde mais do que ganha, que desde o nascimento a gente começa a morrer e por isso mesmo, viver é o maior desafio, morrer é uma consequência da vida.
A você Guilherme, um amigo de fraternidade, alguém nem tão presente ou mesmo de intimidade, quero dizer que eu acredito que você deve estar bem melhor que nós. Quero te dizer ainda, que o seu sorriso está ainda mais contagiante com essa sua partida tão repentina para todos nós meu querido e, por último, te dizer que você ascendeu ainda mais em mim o maior desejo de viver e amar, de amar e viver, obrigada!
Se o que a memória ama, fica eterno como disse a poeta, então, posso também dizer copiando o título do filme para o nosso protagonista da vida real:

"PARA SEMPRE GUI"



 

 


 
 
 

sexta-feira, 13 de março de 2015

Aos que me fizeram de escravo-de-jó



"Para acabar com essa história
Mando um recado para todos os Adultos do mundo, para todos os
Donos de plantação, bancos, edifícios,
Bolsas de valores, fábricas, bordéis;
(...) vocês que me fizeram carregar
Fardos de flores para os meus entes
Vocês que me fizeram, carregar toneladas
De algodão e cimento bruto...
(...) a vocês que me fizeram de escravo-de-jó,
Escutem bem:
Ainda vou brincar de roda,
Ainda vou contar estrelas, ainda vou ensinar vocês a
Semear plantações e construir casas, ainda vou ensinar vocês a mentir
E a "fingir" de verdade".
Fragmentos do poema "O sujeito fingidor" (Silva 2001).
Livro: Infâncias: Cidades e escolas amigas das crianças - Euclides Redin.